Uma matéria do jornalista Phillippe Watanabe, da Folha de São Paulo, mostrou que parte da soja importada pela União Europeia e China de Mato Grosso vem do desmatamento ilegal. Os dados da reportagem foram revelados em uma pesquisa da iniciativa ‘Trase’, e trazem ainda informações sobre o desmatamento entre 2012 e 2017.
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Leia a íntegra da matéria:
Soja com desmate ilegal em MT é exportada para União Europeia e China
Estudo diz que 20% das importações do grão de MT vem de fazendas com desmate ilegal
PHILLIPPE WATANABE
DA FOLHA DE SP
Cerca de 20% das importações de soja que a União Europeia e que a China fazem de Mato Grosso, maior exportador do produto no Brasil, são provenientes de fazendas com desmatamento ilegal. Predomina a derrubada irregular de vegetação nativa, tanto de Amazônia quanto de cerrado e Pantanal, nas áreas produtoras de soja do estado, com 95% de desmate ilegal, ou seja, sem autorização.
Os dados divulgados nesta quinta (11) foram revelados por pesquisa desenvolvida pela iniciativa Trase, que busca dar transparência para cadeias de produção de commodities, e as ONGs ICV (Instituto Centro de Vida) e Imaflora.
A pesquisa aponta que, entre 2012 e 2017, cerca de 27% do desmatamento em Mato Grosso -que é majoritariamente ilegal- ocorreu em áreas com plantação de soja, principalmente em médias e grandes propriedades.
Os pesquisadores também encontraram grande concentração da devastação, com 80% registrada em somente 400 fazendas, o que representa só 2% das propriedades rurais do estado.
"Esses poucos e grandes proprietários podem estar danificando a imagem de um setor", afirma André Vasconcelos, pesquisador da Trase. A área destruída ilegalmente em fazendas de soja em Mato Grosso chega a 1.639.607 hectares e acaba por revelar os problemas e limitações da moratória da soja, acordo que começou em 2006 e que visa impedir a comercialização e financiamento de soja produzida em áreas amazônicas que foram desmatadas a partir de julho de 2008.
O impacto da moratória na redução do desmatamento na Amazônia é claro, diz Vasconcelos, mas ainda há brechas que levam à contaminação da cadeia produtiva de soja.
A moratória só diz respeito à produção em áreas diretamente desmatadas de forma ilegal na Amazônia. Ou seja, o desmate para plantio de soja em outros biomas não entra na conta, o que é apontado por pesquisadores como um risco para o cerrado, por exemplo, que níveis de desmatamento tão elevados quanto a Amazônia, mas área significativamente menor e com menos regiões protegidas.
Além disso, áreas que são ilegalmente desmatadas dentro de uma fazenda produtora de soja, mas que não são usadas diretamente para o plantio do grão não são consideradas pela moratória.
Segundo o estudo, foram encontrados 106 mil hectares de desmatamento ilegal de floresta amazônica em fazendas de soja em Mato Grosso, áreas que, pelo menos até 2017, não haviam sido transformadas em plantações de soja.
"O mercado europeu e chinês chancelado pela moratória na verdade pode estar associado a desmatamento ilegal", diz Vasconcelos. "O mercado chinês está começando a se interessar pela sustentabilidade, e a legalidade é uma coisa com a qual eles se preocupam."
As ilegalidades na cadeia da soja têm ainda uma peculiaridade. Grãos derivados de diferentes produtores são misturados para estocagem. Com isso, soja produzida em uma fazenda com desmatamento ilegal pode acabar se misturando a produtos de áreas que respeitam a legislação ambiental, o que acaba contaminando a cadeia.
De acordo com os pesquisadores, 81% da soja produzida em fazendas com desmatamento ilegal em Mato Grosso foi exportada.
A ligação de produtos brasileiros com a destruição da Amazônia e a arranhada imagem ambiental do país no exterior já têm gerado repercussões econômicas, principalmente para negociações com países europeus.
No início do mês, o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia sofreu mais uma rejeição política por um país europeu, com a maioria do Parlamento holandês passando uma moção contra a ratificação. A ideia de parlamentares europeus é que o pacto abre o mercado da Europa para produtos agropecuários obtidos à custa da destruição do ambiente.
As críticas europeias contra a política ambiental do Brasil são fortes nos países com setores agrícolas com pressão política grande, como França, Irlanda e regiões da Bélgica, e na Áustria.
Em Mato Grosso, o desmatamento ilegal (que representa 97% de toda a derrubada de vegetação no estado) se mantém em níveis estáveis entre 2012 e 2017.
"O produtor sente que não vai ser punido pelo governo e pelos órgãos competentes e opta por ir pelo caminho ilegal", diz o especialista da Trase, que demonstra preocupação com a possibilidade de crescimento do desmate ante o comportamento do governo atual na questão ambiental.
Tal aumento já é perceptível pelas informações mais recentes e consolidados do Prodes, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que mede a taxa anual de desmatamento da Amazônia. A devastação do bioma em Mato Grosso aumentou cerca de 14% entre 2018 e 2019 (dados que levam em conta o período de agosto de 2018 a julho de 2019, ou seja, o início do governo Bolsonaro).
O desmatamento da Amazônia em 2019 bateu o recorde da última década, com mais de 10 mil km² devastados.