A irritação com o ritmo lento da reforma agrária no governo Dilma Rousseff não é só dos movimentos ligados à terra, que realizaram protestos na quarta-feira e geraram confronto com a polícia ao tentar invadir o Palácio do Planalto. Parte do PT também está incomodado com a situação.
Parlamentares petistas ouvidos pelo Valor mostraram insatisfação com a pouca atenção do Planalto com o tema, apontado como uma das prioridades de Dilma na campanha eleitoral de 2010.
O deputado Dionilso Marcon (PT-RS), ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que alguns petistas 'deixaram o latifúndio entrar na cabeça'. O partido, historicamente ligado ao movimento social e agrário, deixou de discutir a reforma agrária, segundo ele. 'O PT e o governo federal estão longe da reforma agrária e o inimigo da reforma está dentro do Palácio do Planalto', declarou Marcon.
O deputado cobrou uma postura mais firme da presidente sobre o tema. 'Tem que desapropriar terra e investir nos assentamentos em três pontos: infraestrutura, assistência técnica e incentivo à produção'.
Marcon disse que o Executivo está optando por isolar os movimentos sociais, o que é ruim para o próprio governo e pode gerar reações maiores do que a manifestação vista nesta quarta-feira. 'Ou o governo começa a dizer para que veio ou as lutas vão aumentar', prometeu Marcon.
A Manifestação dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas, que reuniu 37 entidades, como o MST e a Via Campesina, e cerca de 7 mil pessoas elevou o tom de insatisfação contra o governo Dilma.
O deputado Assis do Couto (PT-PR) classificou a situação atual como 'crítica'. E disse que 'falta criatividade' ao governo, que aparentemente 'cansou' aplicar o modelo de reforma agrária defendido há mais de 20 anos.
'O MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário] e o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] não conseguiram acompanhar a evolução do campo', resumiu. 'Ficaram na defesa tradicional da reforma agrária e não têm conseguido fazer'. Couto disse que hoje o preço da terra está alto e a legislação dificulta as desapropriações. No entanto, o governo não tem pensado em outras alternativas, segundo ele.
O parlamentar criticou também o controle do MDA pela Democracia Socialista, corrente interna do PT que controla o ministério desde o início do governo Lula. Isso, para Couto, impediu a mudança na Pasta. 'Não conseguem avançar e chegou a um esgotamento', disse Assis do Couto.
O deputado apontou ainda a falta de pessoal no Incra para conduzir a reforma agrária e melhorar as condições para quem já é assentado. Outro desafio para o governo, segundo Couto, são os altos preços da terra.
O secretário Agrário Nacional do PT, deputado Elvino Bohn Gass (RS), reconheceu a legitimidade os movimentos ligados à terra e os problemas na aquisição de lotes por causa dos preços. 'O conservadorismo também impede a atualização dos índices de produtividade, o que inviabiliza a desapropriação da terra', disse. 'Isso cria problemas estruturais para fazer reforma agrária'. Ele, no entanto, destacou os esforços do Executivo em melhorar as condições das famílias já assentadas.
O líder do PT, deputado Jilmar Tatto (SP), no entanto, minimizou as queixas sobre o tema dentro do partido. 'Não é nada de anormal porque saíram os decretos para a reforma agrária [recentemente]. O PT é um caldeirão, cheio de gente que reclama. Essa é mais uma queixa. Não tem nada de excepcional', disse.
O governo publicou outra leva de decretos de desapropriações de terras para a reforma agrária. Foi a segunda desde o início da gestão Dilma Rousseff. A primeira ocorreu no fim de dezembro de 2011. O que os movimentos sociais e parte do PT consideram lentidão na reforma agrária é classificado como cautela do governo para evitar erros comuns no passado, como o assentamento de famílias em regiões longínquas e sem nenhuma infraestrutura.
As divergências sobre os rumos da reforma agrária já levaram Dilma a trocar seu ministro do Desenvolvimento Agrário. Saiu o deputado baiano Afonso Florence e entrou o deputado gaúcho Pepe Vargas, ambos da corrente petista Democracia Socialista. Também houve troca de comando no Incra, onde Carlos Guedes substituiu Celso Lacerda. Mas a insatisfação, como se viu na quarta-feira, continua.