Dizem os Titãs em sua linda canção Epitáfio que “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído.” Soa bonito. Mas será?
Era uma vez uma chefe de departamento muito distraído. Parecia que vivia no mundo da lua. Ou melhor, no mundo da mídia digital. Trabalhar com essa pessoa envolvia cenas mais ou menos como esta: Você está tentando resolver um problema complicado. Precisa explicar o que está acontecendo para a chefe do seu departamento e obter o apoio dela para implantar a solução que você está desenvolvendo.
Você manda um convite para uma reunião pelo Zoom e ela aceita. Na hora marcada, você entra na reunião, animada para apresentar a sua solução, e ansiosa para resolver o problema. Ela aparece na tela e ao mesmo tempo você escuta o barulhinho do teclado dela. Ela está digitando um texto, possivelmente tentando responder e-mails ou mensagens de WhatsApp enquanto fala com você.
Como você interpreta esse momento?
Provavelmente você imediatamente sente-se menos animada, talvez até desconfortável. Minha chefe parece não dar importância ao nosso compromisso. Será que estou prestes a perder o emprego? Você começa a falar na esperança de que ela pare de fazer o que está fazendo e preste atenção na agenda da reunião, afinal, ela aceitou o seu convite. Ela participa sem vontade. Responde suas perguntas com respostas vagas que não se aplicam totalmente ao assunto. Há uma pausa mais longa do que o normal entre a sua pergunta e a resposta dela. No final ela aprova a sua solução e você encerra a reunião aliviada.
Uma semana depois, quando você anuncia a implantação da solução que ela aprovou para a equipe executiva, ela lhe manda um e-mail dizendo: “Estou confusa. Não sabia que era isso que você ia fazer.”
Em meio à sua frustração você se pergunta: onde é que eu estou errando?
Quero te libertar desta cruz. Você não está errando. Quem está errando é a pessoa que deveria estar fornecendo liderança, mas ao contrário, está criando empecilhos e confusão por não entender o impacto negativo que a sua distração tem nas pessoas que estão tentando trabalhar com ela. A não ser que essa pessoa seja você.
Oooops! Você é um líder distraído?
Eu já fui. E também já fui a pessoa que tem a inóspita tarefa de trabalhar com um líder distraído, que vive cego pela ilusão de que pode fazer várias coisas ao mesmo tempo. Durante a reunião para planejamento estratégico ele está respondendo mensagens no celular. Quando você entra no escritório desse líder, ele não olha para você. Continua a digitar em seu teclado enquanto diz “aham, aham”.
Se você é um líder distraído, esta mensagem é para você.
Pare. As pessoas que trabalham com você percebem a sua distração. Elas percebem que você está fingindo que está participando. Sentem-se desrespeitadas e sem direção. Duvidam da sua competência e até mesmo da sua integridade. Quando você fica no celular durante uma reunião importante, você esvazia o entusiasmo dos outros participantes, que começam a imitar a sua distração. Você demonstra, através da sua distração, que você não dá importância aos assuntos da reunião e muito menos às pessoas que estão lá.
Antes de aceitar um convite para uma reunião, pense. Se você não crê que estará disponível, negocie a reunião para outro horário. Se algo urgente acontecer e exigir sua atenção depois que já aceitou o convite, entre em contato com o organizador e remarque a reunião para mais tarde ou para outro dia.
Não se iluda. O acaso não vai te proteger. Quando você toma decisões enquanto tenta fazer outras coisas (tais como responder e-mail, mensagens de mídias sociais, etc.) algumas coisas ruins acontecem. A qualidade da decisão cai significativamente e você provavelmente se esquecerá que tomou essa decisão. As pessoas vão começar a pensar: será que ela está com Alzheimer precoce?
No meu caso, um dia a ficha caiu. Percebi o ridículo que é estar conversando com uma colega enquanto ocupada com outros pensamentos ou ações. Me dei conta de quanto isso decepcionava as pessoas que trabalhavam comigo. E quanto estresse eu estava causando para mim mesma com esse comportamento que pulverizava e enfraquecia a minha atenção. Fiz um compromisso comigo de estar atenta e presente sempre que me comprometer a participar de uma conversa. É o mínimo que se espera de qualquer pessoa que ocupe uma posição de liderança.
Se você trabalha com um líder distraído, veja isto.
Não tolere esse comportamento porque ele pode levar a consequências negativas para você e para a empresa. Quando notar que uma pessoa está distraída durante uma ocasião importante, use da diplomacia e diga algo como: “Estou vendo que você está muito ocupada. Não quero atrapalhar. Você prefere remarcar a nossa conversa para outra hora?”
Não imite esse comportamento. Faça um compromisso com você mesma de focar a sua atenção na pessoa com quem você concordou em se reunir. Dê o seu melhor ao assunto. Escute atentamente, faça perguntas e apresente alternativas. Enriqueça a conversa e ajude a pessoa a fazer progresso na resolução do problema em questão. Adicione valor.
Diz o ditado: A ação segue a atenção.
Se a atenção do líder está dispersa, onde estará a ação da sua equipe? Ao contrário, se a atenção do líder está focada nas prioridades máximas da organização, se ele demonstra interesse e compromisso diário com aquelas prioridades, onde estará a ação da sua equipe? Vale a reflexão.
Quer melhorar o seu foco, atenção e presença como líder? Sugiro começar pelo livro A Mente Organizada, de Daniel J. Levitin. Levitin baseia-se na neurociência mais recente para sugerir métodos que podemos aplicar para tomar de volta o controle sobre nossa atenção, organizar nosso tempo, nossos ambientes doméstico e de trabalho num mundo em que a informação invade o nosso cotidiano a cada minuto e em que necessitamos tomar decisões em situações cada vez mais complexas. Boa sorte!