Se a escolha entre a permanência no campo e a sequência nos estudos sugere opções excludentes, o jovem Valdecir José Almeida Lúcio prova o contrário. Quando se deparou com esse dilema – e optou por conciliar as duas atividades – encarou resistência dos próprios pais, mas insistiu. Agora, aos 17 anos, está próximo de concluir o ensino médio na Casa Familiar Rural de Guaraniaçu (Oeste do Paraná) e faz planos para o futuro, que deve ser construído na zona rural.
Ele fica uma semana na escola e outra em casa. A pedagogia da alternância, adotada em 44 unidades de ensino do Paraná, mantém 2,1 mil alunos próximos da atividade rural.
Desde a 5.ª série, Lúcio alterna seus estudos na escola e na prática. Na sala de aula, tem contato com assuntos que vão além da matriz convencional. Fruticultura, produção de alimentos e manejo animal aliam-se a disciplinas como química, matemática e português. Os conteúdos intercalam atividades teóricas e experimentais, como o trabalho na horta e visitas a indústrias.
Nos dias em que está na escola, o tempo livre é dedicado às tarefas domésticas e ao lazer. Quando volta para casa, ele leva um documento que relata a rotina da semana, para que os pais saibam o que foi ensinado. E o conhecimento ganha efeito prático. Lúcio já adicionou a apicultura às atividades da família e agora pretende abrir espaço à produção de leite na área de 24 hectares. “Terminando o curso terei mais tempo para trabalhar nisso”, conta, confirmando o desejo de permanecer no campo.
As casas familiares rurais ampliaram em um terço o número de estudantes focados na produção agropecuária durante o ensino médio. As tradicionais escolas agrícolas somam 20 instituições de ensino integral no Paraná e atendem 6 mil alunos.
A alternância é defendida como um método eficaz. “Abre-se um leque para que o aluno tenha incentivos para ficar na propriedade”, aponta Gilberto José de Souza, coordenador da Casa Familiar Rural de Guaraniaçu. O ensino rende formação técnica aos estudantes, como nos colégios agrícolas, com menor carga horária em sala de aula.
O sistema é apoiado pela Secretaria de Estado da Educação (Seed), que faz a fiscalização e disponibiliza professores. Cabe a Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Sul do Brasil (Arcafar), uma entidade sem fins lucrativos, fazer a coordenação das casas e articular parceiros, que colaboram para manter as instituições em operação. Fabiana Cristina de Campos Skrobot, diretora do Departamento de Educação e Trabalho da Seed, explica que o modelo foi implantado há cerca de dez anos, baseado em casos bem-sucedidos no exterior.
Escola integral exige dedicação e disciplina
O despertador toca cedo, as 6h30 da manhã. Entre as espreguiçadas e o café da manhã é preciso ser rápido, pois a aula começa as 7h30 e vai até as 11h35. Após a pausa para o almoço, às 13 horas o ciclo recomeça e só termina as 17h35. A rotina é diária e não garante folga nem mesmo nas férias, quando um estágio obrigatório precisa ser cumprido.
Esse dia a dia é encarado por Welson Luis Gomes Junior, 16, e outros 6 mil alunos matriculados nos 20 colégios agrícolas do Paraná. O sistema existe há mais tempo que as Casas Familiares Rurais (CFR), não adota o método da alternância, e tem disputa por vagas.
Durante os três anos de ensino médio, os estudantes são preparados sob rígida disciplina e extensa carga horária. No fim do curso, ganham o título de técnico agrícola, após vencerem mais de 4 mil horas/aula. O índice se assemelha ao das faculdades de agronomia, garante Douglas Taques, vice-diretor e ex-aluno do colégio Augusto Ribas, de Ponta Grossa, nos Campos Gerais.
Septuagenário, o Augusto Ribas confirma a tradição do modelo. Atualmente tem 280 alunos – a maior parte volta para casa no fim do dia. Welson e outros 79 colegas permanecem, pois vivem em regime de internato. O retorno para Prudentópolis (Campos Gerais), cidade onde mora a família, ocorre em fins de semana esporádicos ou durante as férias.
O alojamento oferece a assistência básica necessária. “Somos os pais deles aqui”, confidencia Taques. Médicos, psicólogos e dentistas estão à disposição para atendimento, graças à parceria com a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que recebe os recursos do governo e mantém a escola ativa.
Assim como nas CFR, os professores exaltam a possibilidade dos alunos estarem em contato com temas que vão além da matriz curricular tradicional. A formação ajuda a abrir novas portas. Welson planeja ficar em Ponta Grossa e prestar vestibular para agronomia ou veterinária e, só depois, voltar para casa.