Olhar Agro & Negócios

Quinta-feira, 02 de maio de 2024

Artigos

No enredo da energia, ou o governo estatiza o custo da geração ou a subsidia. Essa é a confusão

Corte da tarifa também é justificado como suporte para a queda dos juros. A medida tem efeito desinflacionário, e a inflação está longe da meta.

A polêmica sobre a renovação antecipada das concessões de geração e distribuição de energia elétrica deverá amainar quando se esgotar o prazo dado pelo governo para manifestação das empresas, a maioria de controle estatal, e não privado, embora com ações no mercado. As consequências, no entanto, vão exigir contramedidas do governo.

A decisão é voluntária. Mas para manter a posse dos ativos, entre hidrelétricas e redes de transmissão, cujos contratos de concessão expiram entre 2015 e 2017, as empresas atingidas, como Eletrobras, Cemig e Cesp, todas elas estatais, devem aceitar um corte tarifário médio de 20%. A alternativa implica manter tais ativos até o final dos contratos e, como instrui a lei, disputar em leilão a retomada das concessões vencidas. Em princípio, tudo é cristalino.

Tais decisões foram baixadas pela Medida Provisória (MP) 579, que está em tramitação no Congresso. O problema decorre da redução das tarifas (de 16%, para consumidores residenciais, a 28%, indústrias intensivas em energia) e, portanto, da receita das operadoras, além da baixa contábil de parte substantiva do patrimônio não compensada pelo valor das indenizações propostas pelo governo.

Cesp, controlada pelo Estado de São Paulo, e Cemig, pelo de Minas Gerais, cogitam recorrer à Justiça. A Eletrobras, controlada pela União, não tem tal margem de manobra. Por princípio, concessionária de um ativo da União licitado para ser gerido por terceiros – seja de controle estatal ou privado – é como imóvel alugado: pertence ao locatário durante o período de locação. Melhorias permanentes, com a autorização do locador, são indenizadas, normalmente com desconto do aluguel. No caso das operadoras de energia é mais complicado.

Elas vêm de uma época, dos governos militares, em que a União e os ativos das empresas estatais se confundiam, meio assim como ocorre com as reservas de petróleo: pertencem ao Estado brasileiro e podem ser exploradas por terceiros. Mas na faixa do pré-sal regida pelos contratos de partilha apenas a Petrobras pode explorá-la.

União e suas estatais

Na Eletrobras e suas subsidiárias, como Eletronorte, Chesf, Furnas e Itaipu, nunca se concebeu, algum dia, a perda das hidrelétricas, apesar do que diz a lei, mudada uma vez no governo FHC e mais duas desde a administração Lula. Alguém imagina Itaipu, por exemplo, sob gestão privada? Essa é a questão. E ela transcende a frustação dos detentores de ações negociadas em bolsas dessas empresas.

Os investimentos em novas usinas consolidaram a ideia do controle estatal desses ativos, bancados parte pela geração de caixa (função das tarifas), parte por empréstimos do BNDES e do exterior. O corte da receita impacta o bocado dos investimentos custeados pelo caixa.

Os apagões da decisão

A depreciação de ativos, ou a entrega à União, reduz as garantias patrimoniais, inclusive para o investimento estruturado sob a forma de project finance – modalidade em que o fluxo futuro de receitas é parte da garantia e do pagamento da amortização.

A empresa que toma créditos dessa forma não compromete seu balanço, mas será em última instância devedora solidária. Ou qualquer tamborete se lançaria em aventuras com funding público, daria um beiço e sairia “limpinho”.

É isso o que a MP 579 não abriga, e também ignora que tem empresa com energia vendida no mercado livre. Ela supõe, ao fixar a tarifa, que toda a geração de usinas com concessões renovadas será vendida no mercado cativo, como o residencial, sujeito à redução média de 20%. A Cesp, segundo seu presidente, Mauro Arce, tem 700 megawatts contratados com clientes até 2015. Teria, diz a MP, de comprar tal energia de terceiros para honrar os contratos, mas a tarifa de R$ 7 por MWh fixada pela governo equivale a um terço da que ela pratica.

Estranheza e omissões

Para o sistema Eletrobras, a situação é assemelhada. Em anúncio de apoio à medida, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) diz que “já tem lobby para que deputados e senadores não aprovem a MP, para atender aos interesses de algumas poucas empresas estatais que enriqueceram durante décadas” com a “cobrança injusta na conta de luz”.

Soa estranho falar em “enriquecimento” de empresas do Estado. Governos e seus Tesouros (federal e os estaduais) operam com caixa único. E soa artificial falar em “cobrança injusta na conta de luz” e ignorar que mais da metade do que paga o consumidor de energia se deve à incidência de impostos, sobretudo o ICMS, tributo estadual.

É compreensível que a indústria apoie um ato tomado para elevar a produtividade. Mas a história deve ser contada por inteiro. Como se fez, ou o governo estatiza o custo da geração ou a subsidia. Não há outra forma, e esse custo não está estimado nem discutido. É isso.

Circuito de improvisos

Até há alguns anos, a energia residencial subsidiava a industrial, como é comum no mundo. Depois, fez-se a equivalência. O governo retomou a ideia da energia mais barata para a indústria e, no meio do caminho, resolveu estender a vantagem ao consumidor residencial. Foi motivado por interesse eleitoral e também pelo receio de que a ação fosse contestada por outros países como subsídio à indústria.

O modelo passou a ser defendido este ano como suporte para a queda permanente dos juros. A queda da tarifa tem efeito desinflacionário num momento em que a inflação é pressionada e está longe da meta. A mesma motivação leva setores do governo a defender que uma parte do efeito desinflacionário seja utilizada para a Petrobras aumentar os preços do diesel e talvez da gasolina, hoje fortemente subsidiados.

Tudo isso sugere improviso, não uma estratégia com começo, meio e fim para fortalecer a competitividade da economia.

Comentários no Facebook

Sitevip Internet