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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

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Álcool, em nome da Justiça

(“O médico Paracelso dizia que a diferença
entre o veneno e o remédio está apenas na dose...
Até mesmo a água, se ingerida em excesso,
pode levar o ser humano à morte – doença
denominada hiponatremia. O mesmo vale para
qualquer outra substância química, por mais
saudável que ela possa, em principio, parecer”)


Essa analogia é parte do voto do ministro Marco Aurélio, relator numa Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, sobre uma lei que tenta proibir o amianto em SP. Pois a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não apenas mostra desconhecer os princípios de Paracelso, como afronta o bom senso e o equilíbrio que norteiam as decisões do órgão máximo da Justiça brasileira.

Munida de falsos argumentos, a agência insiste na pretensão de determinar às donas de casa qual tipo de álcool consumir, de impor novos padrões de limpeza e de levar adiante a sua própria contradição ao tentar proibir a venda de álcool líquido acima de 46º INPM; a partir daí, limitá-lo na forma gel.

Caso consiga – o que é improvável, diante dos limites da lei -, fará do maior produtor mundial de álcool um dos raríssimos países a proibir o seu uso. Outra contradição da Anvisa também merece destaque: sustenta a tese da proibição, ao mesmo tempo em que recomenda o uso do álcool líquido em hospitais por ser mais eficiente que o gel na limpeza de objetos e superfícies. É muito estranho. Donas de casa de todo o mundo sabem disso há mais de um século. Há relatos do uso do álcool líquido como desinfetante desde 1888.

A agência se baseia em dados falsos fornecidos pela Proteste, que se auto-intitula "Associação Brasileira de Consumidores". Sabe-se que foi fundada por entidades estrangeiras e, na verdade, sua ação beneficia multinacionais do setor de limpeza. Evidente que o álcool, mais eficiente e mais barato, é forte concorrente dos caros produtos dessas empresas. Aí parece estar o motor desta infeliz polêmica. Uma pesquisa da Toledo e Associados prova que o consumidor prefere o álcool líquido, o último dos produtos de limpeza sem participação de grandes empresas multinacionais.

A Proteste publica nota para afirmar que o poder de limpeza do álcool é um mito; os produtores mostram publicações da Organização Mundial de Saúde, que comprovam a superioridade do álcool, seja líquido ou gel, sobre os demais desinfetantes. A Anvisa prefere o “achismo” da Proteste ao rigor científico da OMS.

Também é falso o argumento de que a ocorrência de acidentes com álcool líquido (motivo alegado para a proibição) atinja o número de 150 mil por ano no Brasil. De forma cristalina, dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS) revelam um número de casos de queimaduras com líquidos inflamáveis é mais de 50 vezes menor que o alegado.

São dados que englobam, além do álcool, todos os líquidos inflamáveis, como gasolina e solvente, entre outros. Que se traga a verdade, sem os enfeites da Anvisa: os números do SUS mostram uma média de três mil casos anuais de internação por exposição à combustão de todas as substâncias inflamáveis.

Por isso, deve-se dar toda a atenção ao voto do ministro Marco Aurélio no caso do uso do amianto: “O perigo resultante do manuseio inadequado de determinado produto não pode consubstanciar premissa jurídica para retirá-lo do mercado, sob pena de se inviabilizar a vida em sociedade”...

... “Vale ressaltar que, se empregado na forma devida, o crisotila não traz qualquer risco ao usuário...”

...“Se o amianto deve ser proibido em virtude dos riscos que gera para a coletividade ante o uso indevido, talvez tenhamos de vedar, com maior razão, as facas afiadas, as armas de fogo, os veículos automotores, enfim, tudo que, fora do uso normal, é capaz de trazer danos às pessoas”.

E o ministro põe aqui uma moldura em sua tese: “Em outras palavras, entender que a ponderação, no caso concreto, deve levar à proibição do crisotila significa admitir que substâncias igualmente perigosas também possam ser proibidas mediante decisão judicial. É um parâmetro arriscado para o desenvolvimento econômico nacional e para as liberdades públicas, pois está nele implícita a premissa de que a sociedade, por seus representantes, é incapaz de analisar quais são os riscos e benefícios da vedação ou permissão de certa atividade”.

Para remate, deve-se lembrar as palavras do também ministro Antônio Dias Toffoli. Ao discorrer sobre o que mudou em sua visão nestes seus dois anos de STF, foi definitivo: "Aqui penso que o Estado tem de interferir menos na vida do cidadão. O Estado tinha de educar mais do que tutelar".

Enfim, fica claro que a Anvisa parte da premissa de que a sociedade é incapaz de avaliar riscos e benefícios. E, arrogante, invoca parâmetro arriscado para o desenvolvimento nacional e para as liberdades públicas.

Que a Justiça seja feita!

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