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Domingo, 28 de abril de 2024

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Caso Americanas, agronegócio e a importância da adoção de boas práticas de governança corporativa neste setor

2023 mal começou e o mercado já foi pego de surpresa com o caso da empresa Americanas, uma das maiores gigantes do varejo, que, em fato relevante divulgado no dia 11/01/2023, reportou que foram detectadas inconsistências em lançamentos contábeis estimadas em R$ 20 bilhões na data-base de 30/09/2022. Para melhor compreensão da situação, confira trecho do comunicado da organização abaixo:

Americanas S.A. (“Americanas” ou “Companhia”), em atendimento ao disposto na Resolução CVM nº 44, de 23 de agosto de 2021, vem comunicar aos seus acionistas e ao mercado em geral que foram detectadas inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta fornecedores realizados em exercícios anteriores, incluindo o exercício de 2022. Numa análise preliminar, a área contábil da Companhia estima que os valores das inconsistências sejam da dimensão de R$ 20 bilhões na data-base de 30/09/2022. A Companhia estima que o efeito caixa dessas inconsistências seja imaterial. Neste momento, não é possível determinar todos os impactos de tais inconsistências na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da Companhia. Entre as inconsistências mencionadas acima, a área contábil da Companhia identificou a existência de operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem acima, nas quais a Companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta fornecedores nas demonstrações financeiras de 30/09/2022. As estimativas acima estão sujeitas a confirmações e ajustes decorrentes da conclusão de trabalhos de apuração e dos trabalhos a serem realizados pelos auditores independentes, após o que será possível determinar adequadamente todos os impactos que tais inconsistências terão nas demonstrações financeiras da Companhia.[1]

Pelo que se verificou na sequência, esse contexto fático impactou negativamente a empresa Americanas tanto do ponto de vista reputacional quanto econômico.

Para se ter uma ideia da dimensão deletéria do fato relevante mencionado acima, no dia 19/01/2023, a companhia apresentou pedido de recuperação judicial e, no dia 25/01/2023, a sua ação (AMER3) estava sendo negociada a menos de R$ 1,00[2] na B3 (antiga Bovespa), que é a bolsa de valores brasileira.

Ainda não se sabe o que aconteceu de fato nesse caso, existindo apenas suposições e alguns julgamentos mais apressados, mas qual a ligação desse episódio, que envolve uma empresa varejista, com o agronegócio?
Vejamos.

Apesar de ter ocorrido queda acumulada de 4,28%[3] no PIB do setor, no período de janeiro a setembro de 2022, pressionado pela alta dos custos na produção agrícola, o agronegócio segue sendo considerado um dos propulsores da economia brasileira.

Em que pese isso, segundo pesquisa[4] realizada pela Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) em 2020, o tema da governança e gestão foi apontado como o segundo principal gargalo do agronegócio, sendo infraestrutura o primeiro.

Segundo o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), governança corporativa:

é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. [5]

É importante anotar que a adoção de boas práticas de governança corporativa, que se apoia nos princípios da transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa, alinha interesses, protegendo e potencializando o valor econômico da organização, facilitando o acesso a recursos financeiros e contribuindo para a qualidade da gestão e sustentabilidade da companhia.

Com efeito, com o ambiente de negócios evoluindo rapidamente, e a crescente preocupação com os padrões ESG (ambiental, social e governança), a adoção de boas práticas de governança corporativa afigura-se fundamental para a competividade do agronegócio.

Uma estrutura de governança corporativa, segundo o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, abrange sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle, conduta e conflito de interesses, aplicando-se indistintamente a qualquer de tipo de organização, inclusive ao setor do agro.

Em razão da particularidade envolvendo o agronegócio, na estruturação da governança corporativa poderá ser utilizada, saliente-se, o modelo “aplique ou explique”, aceito e reconhecido internacionalmente, que reconhece:

que a prática da governança corporativa é uma jornada e não deve se traduzir em um modelo rígido de regramento aplicável igualmente a todas as companhias. Pelo contrário, ele é principiológico e flexível, dando às companhias a liberdade para explicar a eventual não adoção de determinada prática. [6]
 
O importante, ressalte-se, é não se afastar dos princípios que regem a governança corporativa, valendo a pena repeti-los aqui: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.

O caso Americanas reforça a importância da implementação de uma boa estrutura de governança corporativa, sobretudo no agronegócio, que está sujeito a riscos distintos, lida com diferentes partes interessadas, e enfrenta um mercado, especialmente o consumidor, cada vez mais exigente e preocupado com questões ambientais e sociais.

Sem adentrar em outras questões, que não são o foco deste artigo de opinião, na situação envolvendo a varejista, o comunicado ao mercado somente aconteceu em razão da existência de governança corporativa. A divulgação de fato relevante, frise-se, é uma exigência do Novo Mercado, principal segmento de listagem da B3, com padrão superior de governança corporativa.

E a recuperação da Americanas, convém pontuar, só será possível com governança corporativa, que, no caso da organização, acredita-se, deve sofrer reestruturação.

Uma coisa é certa: por mais lógica que seja uma estrutura de governança corporativa, esta não está imune à influência positiva ou negativa do fator humano. No entanto, não deixa de ser um eficiente sistema que contribui para a gestão e sustentabilidade de qualquer organização, inclusive do setor do agro.

Se com uma estrutura de governança corporativa, aconteceu o que aconteceu na Americanas, imaginem uma organização sem esse sistema, que, como evidenciam as pesquisas, não é a realidade de 100% do agronegócio. O futuro, sem dúvida nenhuma, é incerto e os riscos incalculáveis!

E para o agronegócio, ressalte-se, segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em sua plataforma Visão de Futuro do Agro Brasileiro, o incremento da governança e dos negócios é megatendência[7], arriscando este autor a afirmar: questão de sobrevivência.
 
Deivison Roosevelt do Couto
ESG, riscos, governança e compliance no agronegócio
Advogado, sócio no escritório Prado Advogados Associados – Cuiabá/MT
Mestrando em Compliance pela Ambra University – Orlando, FL-EUA
Compliance Officer de uma grande cooperativa agroindustrial em Campo Novo do Parecis/MT


[1]Fato relevante. Relações com Investidores Americanas, 2023. Disponível em: https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/347dba24-05d2-479e-a775-2ea8677c50f2/7d467a28-684d 08d9-4380-62b6a10979a9?origin=1. Acesso em: 26/01/2023.

[2]Ação da Americanas (AMER3) sobe 17,50% após decisões favoráveis na Justiça, mas fecha abaixo de R$ 1. InfoMoney, 2023. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/mercados/acao-da-americanas-amer3-chega-a-subir-30-acima-de-r-1-apos-decisoes-favoraveis-na-justica/. Acesso em: 26/01/2023. 

[3]Queda acumulada do PIB do agronegócio chega a 4,28% de janeiro a setembro. CNA, 2022. Disponível em: https://www.cepea.esalq.usp.br/upload/kceditor/files/PIB-DO-AGRO-20.12(1).pdf. Acesso em: 26/01/2023.

[4]Position paper – visão da inovação e da competitividade do agronegócio. Abag, 2020. Disponível em: https://abag.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Position-Paper-Visao-da-Inovacao-e-da-Competitividade-no-Agronegocio.pdf. Acesso em: 26/01/2023.

[5]Código das melhores práticas de governança corporativa. 5.ed. / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. - São Paulo, SP: IBGC, 2015, p. 20.
 
[6]Código Brasileiro de Governança Corporativa: Companhias Abertas / Grupo de Trabalho Interagentes; coordenação Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo, SP: IBGC, 2016, p.13.

[7]Visão de futuro do agro brasileiro. Embrapa, 2022. Disponível em: https://www.embrapa.br/visao-de-futuro. Acesso em: 27/01/2023.
 
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