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Quinta-feira, 28 de março de 2024

Artigos

A recuperação judicial do empresário rural e jurisprudência

A partir desta semana, serão publicados diversos artigos em sequência a respeito do deferimento da recuperação judicial do empresário rural, iniciando-se pela pesquisa da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça, para então avançar para análise pontual dos principais fundamentos.


A matéria suscita diversas discussões acerca da (des)necessidade do registro do empresário e/ou sociedade empresária que desempenhem a atividade rural para fins de concessão da recuperação judicial. Isso porque os artigos 971 e 984, ambos do Código Civil, preveem a facultatividade do registro na Junta Comercial do empresário rural e sociedade empresária rural.


Por outro lado, a Lei 11.101/2005 estabelece como requisitos para o pedido de recuperação judicial que o devedor seja empresário (artigo 1º, Lei 11.101/2005), que exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos (artigo 48, Lei 11.101/2005) e instrua o seu pedido com a certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas (artigo 51, inciso V, Lei 11.101/2005).


A análise dos dispositivos legais aponta pelo menos para duas questões: (i) o empresário/sociedade empresária que exerça atividade rural depende do registro na Junta Comercial para requerer a recuperação judicial?; (ii) em caso afirmativo, o registro deve ter sido obtido por pelo menos dois anos antes do pedido de recuperação judicial?


O presente texto não pretende responder a essas indagações, mas identificar o posicionamento do TJ-SP acerca da matéria desde a vigência da Lei 11.101/2005, pelo que foi realizada pesquisa jurisprudencial[1]. 


O resultado da pesquisa demonstra que, entre 2005 e 2008, não houve julgamento do TJ-SP a respeito da matéria, e somente a partir de 2018 a discussão sobre a concessão de recuperação judicial aos empresários rurais chegou à corte em maior volume, o que pode se dar em razão de duas hipóteses: ou (i) os agentes econômicos não requereram a recuperação judicial, ou (ii) até então não havia maiores controvérsias acerca dos requisitos para concessão.
Além disso, nota-se que somente em dois julgados[2] o TJ-SP atribuiu natureza constitutiva ao registro na Junta Comercial, pelo que a opção de não se inscrever deveria ser interpretada como a intenção de não se equiparar ao regime empresarial e que, por isso, posterior registro não poderia ter efeito retroativo a fim de alcançar os negócios celebrados anteriormente.


Contudo, esse é o entendimento minoritário, já que em mais de 90% dos julgados analisados o TJ-SP atribuiu natureza declaratória ao registro na Junta Comercial. Como consequência desse entendimento, para a concessão da recuperação judicial, bastaria que seja comprovado o desenvolvimento da atividade por mais de dois anos e o registro em data anterior ao pedido (não necessariamente há pelo menos dois anos). 


A despeito das críticas possíveis a um ou outro entendimento, a estabilização da jurisprudência na matéria é importantíssima, a fim de tornar as relações econômicas mais seguras, para o próprio empresário e sociedade empresária rural, e também para os agentes econômicos que com eles interagem.


Na próxima coluna, veremos qual o posicionamento do STJ também com relação ao deferimento do processamento de recuperação judicial para produtor rural e a observância dos requisitos para o seu deferimento.


Flavia Trentini é professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, doutora em Direito pela USP, com pós-doutorado em Administração e Economia das Organizações pela USP. Visiting professor na Scuola Universitaria Superiore Sant'anna (Itália).


Gabriel Fernandes Khayat é advogado, graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e mestrando na mesma instituição.


Leonardo Cunha Silva é advogado e mestrando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto.
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