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Reserva legal e o novo Código Florestal
Autor: Giovani Tomasoni e Patricia Frederighi
29 Abr 2013 - 09:17
A despeito dos claros avanços legislativos advindos de seus dispositivos, o novo Código Florestal (Lei nº. 12.651/12) deixou de enfrentar certas questões relevantes para as quais a sociedade há muito aguardava uma resposta (como, por exemplo, questões relativas às áreas de preservação permanente em áreas urbanas), bem como suscitou novas polêmicas, como é o caso da averbação da reserva legal nas matrículas dos imóveis rurais.
Se a obrigação legal de preservação ambiental da reserva legal persiste por força do art. 12 do novo Código Florestal, ainda há dúvidas sobre como se dará publicidade a esse instituto. Sob a égide do antigo Código (Lei nº. 4.771/65), era dever do proprietário averbar a reserva legal à margem da matrícula do imóvel. O efetivo cumprimento dessa obrigação pelos proprietários rurais, contudo, foi postergado diversas vezes pelo Executivo por meio da edição de Decretos. Sobre as novas regras, surge a dúvida: permanece obrigatória a averbação da reserva legal à margem da matrícula do imóvel ou bastaria seu registro no Cadastro Ambiental Rural - CAR (ainda não regulamentado pelo Poder Público), instituído pelo novo art. 29?
A questão já chegou aos Tribunais e o entendimento não tem sido uniforme sobre a questão.
Em Minas Gerais, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado defendeu ser “facultativa a averbação da reserva legal no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do art. 18, §4º, da Lei 12.651/12, mostrando-se, assim, sem amparo legal qualquer exigência de prévia averbação da reserva legal como condição para todo e qualquer registro de todo e envolvendo imóveis rurais”. Tal entendimento também tem prevalecido no Tribunal de Justiça do Estado, onde os magistrados defendem não ser necessária a averbação da reserva legal após o advento do novo Código Florestal. Nesse mesmo sentido, há também precedentes no Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.
Já no Tribunal de Justiça de São Paulo, os magistrados têm sido mais conservadores ao analisar o assunto, prevalecendo o entendimento de que a averbação da reserva legal deverá ser mantida enquanto o CAR não for implementado pelo Poder Público.
É possível verificar que os magistrados, entretanto, não têm analisado a questão sob a ótica do direito notarial, limitando-se a julgar a matéria com base nas novas regras florestais (notadamente o art. 18, §4º). Sob esse aspecto, verifica-se que a Lei de Registros Públicos - LRP (Lei nº. 6.015/73) estabelece como obrigatória a averbação da reserva legal à margem da matrícula do imóvel (art. 167, II, 22 c/c art. 169). Como se sabe, o ato notarial dá publicidade erga omnis à informação e segurança jurídica aos atos e negócios jurídicos - além de proporcionar o atendimento aos princípios da concentração, especificação e eficiência, de modo que todos os atos, limitações, benfeitorias, etc., fiquem reunidos na matrícula do imóvel à disposição da população para consulta.
O novo Código Florestal não revogou expressamente o mencionado dispositivo legal da lei registral, estabelecendo, apenas, que as coordenadas geográficas da reserva legal deverão ser informadas no CAR - por meio da juntada de planta e memorial descritivo ou por meio de certidão do cartório de imóveis contendo referidas informações. Nesse sentido, o art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que lei posterior só revogará lei anterior se expressamente o fizer, se forem incompatíveis ou, ainda, se regular especificamente a matéria da lei anterior. Adicionalmente, "A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior" (art. 2º, §2º).
Pode-se concluir, portanto, que a averbação da reserva legal na matrícula do imóvel deverá permanecer como regra em função da necessária publicidade que deve-se outorgar a essa limitação administrativa, devendo o órgão ambiental competente, uma vez em posse das informações do CAR, informar ao cartório de imóveis quais dados deverão ser averbados a esse título. Essa, na verdade, já é uma prática adotada pelos órgãos ambientais em outras situações. A lei de gerenciamento de áreas contaminadas do Estado de São Paulo (Lei nº. 13.577/09), por exemplo, prevê a averbação da contaminação na matrícula do imóvel por meio do envio de informações ao registro de imóveis pelo órgão ambiental competente.
Diante da sobreposição de normas e falta de clareza sobre a matéria, o entendimento que tem sido dominante no TJSP nos parece atualmente o mais apropriado, ou seja, a obrigatoriedade de averbação da reserva legal na matrícula do imóvel deverá ser mantida até que o CAR seja implantado e o Governo regulamente a matéria de forma apropriada, "evitando-se, assim, que a inércia do Poder Público configure salvo conduto para descumprimento das normas ambientais" (E.Dcl. 0008315-63.2011.8.26.0541/50000 - Rel. Des. Paulo Alcides - TJSP). Espera-se, portanto, que o Governo enfrente a questão com clareza, uma vez que, ante a especificidade e controvérsia envolvendo a matéria, seria temerário sob o ponto de vista da segurança jurídica esperar que o Poder Judiciário o fizesse caso-a-caso.
*Giovani Tomasoni e Patricia Frederighi são advogados associados na área de Direito Ambiental e Consumidor do Trench, Rossi e Watanabe Advogados