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A GUERRA FISCAL PORTUÁRIA E A RESOLUÇÃO 13/12
Autor: Gabriel Prata
27 Mai 2013 - 14:54
Gabriel Prata, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP
Em abril do ano passado, o Senado Federal editou a Resolução 13/12, a qual unificou para 4% a alíquota de ICMS incidente sobre operações interestaduais com mercadorias importadas ou cujo conteúdo de importação fosse superior a 40%. O intuito de tal diploma foi dirimir o conflito de interesses estabelecidos entre os Estados tradicionalmente portuários, os quais, visando incrementar suas respectivas economias, concedem benefícios fiscais unilaterais em ordem a atrair contribuintes para seus respectivos territórios.
Nesse ponto, vale uma pequena digressão sobre a chamada “guerra fiscal” portuária e o contexto que deu origem à resolução em comendo. A Constituição Federal de 1988 outorgou à Lei Complementar a competência para dispor sobre a forma pela qual benefícios em matéria de ICMS devem ser concedidos pelos Estados e Distrito Federal. Tal missão, atualmente, é realizada pela Lei Complementar 24/75, cujo artigo 2º, parágrafo 2º, determina que isenções, créditos presumidos, redução de base de cálculo ou quaisquer outros favores fiscais somente poderão ser instituídos se forem unanimemente aprovados no CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária.
Em vista de tal regra rígida, a quase totalidade das unidades federadas não a obedece, porquanto institui tributação favorecida em seus territórios sem que as respectivas legislações sejam submetidas ao crivo daquele órgão. Eis, em linhas gerais, a chamada “guerra fiscal” do ICMS, na qual, via de regra, o contribuinte é o maior prejudicado.
Explica-se: nas operações interestaduais oriundas de empresas que gozam de algum benefício unilateral – ou seja, instituído sem aprovação do CONFAZ, os Estados destinatários não reconhecem o direito de crédito de ICMS proporcional à parcela não recolhida do imposto. O Estado de Minas Gerais, por exemplo, não raramente autua os contribuintes que tomam o crédito integral em operações que tais, mesmo que estes tenham agido de total boa-fé e não tenham tido ciência do benefício gozado pela empresa vendedora. Nesse cenário, empresas autuadas e Estados autuantes aguardam o desfecho da questão no Supremo Tribunal Federal, o qual ainda não se pronunciou definitivamente sobre o tema.
De toda sorte, visando amenizar os efeitos da propalada guerra fiscal, ao menos em relação aos Estados Portuários, o Senado editou a resolução aqui comentada, instituído a alíquota única de 4% em operações interestaduais ou de origem importada (cujo conteúdo de importação seja superior a 40%).
É importante observar que a eleição de tal alíquota não se deu de maneira aleatória, mas com vistas a anular benefícios que reduziam a carga tributária para esses patamares. Em operações oriundas dos territórios capixaba ou catarinense, por exemplo, o contribuinte remetente experimentava, via de regra, uma carta tributária real de 4% sobre o valor da operação. E isso porque, como a regra geral determinava uma alíquota de 12%, a diferença (8%), era devolvida na forma de crédito outorgado ou financiamentos. Com a unificação das alíquotas, o diferencial de alíquota deixou de existir, o que na prática implica, pois, na anulação da engenharia que permitia a benesse.
Deixando de lado as possíveis inconstitucionalidades da Resolução 13/12 (que já é objeto de ADIN em trâmite pelo STF), algumas obrigações acessórias instituídas pela legislação de regência têm sido veemente contestada pelos contribuintes.
Num primeiro momento, tais obrigações foram instituídas pela Ajuste SINIEF 19, que foi revogado no último dia 22 de maio pelo Convênio ICMS 38/2013. Embora os contribuintes não estejam mais obrigados a informar o valor da parcela ou do bem importado na Nota Fiscal Eletrônica, continuam obrigados ao preenchimento da Ficha de Conteúdo de Importação, embora tal exigência tenha sido prorrogada para 1º de agosto de 2013.
Algumas complexidades relativas à obrigação, no entanto, permaneceram mesmo sob a vigência da nova lei. Em primeiro lugar, é preciso que se preencha uma FCI para cada tipo de bem ou mercadoria importados submetidos a processo de industrialização. Haja vista a complexidade que tal procedimento pode exigir para se apurar o valor da parcela importada e da saída interestadual, bem como para se encontrar o conteúdo de importação, não são poucos os que alegam ser inviável, do ponto de vista prático, o cumprimento de tal dever acessório. Basta imaginar empresas que utilizam centenas ou milhares de insumos importados e trazem, em sua linha de produção, um sem número de produtos. E somem-se a isso circunstâncias como variações cambiais, do preço da matéria-prima etc.
Além disso, algumas Secretarias de Fazenda têm disponibilizado, em seus respectivos sites, a consulta de dados da FCI, dentre eles o valor da parcela ou bem importado, o que fere direitos e princípios constitucionais como o sigilo de dados e a livre concorrência. Aliás, o próprio artigo 198 do Código Tributário Nacional impede a divulgação de informações econômico-financeiras dos contribuintes, o que reforça a ilegalidade da postura desses Fiscos.
É importante ressalta que o Judiciário, ainda na vigência do Ajuste Sinief 19, vinha afastando a obrigação de divulgação de tais dados na NFe, sob esses mesmos argumentos. Via de consequência, aqueles contribuintes que se sentirem prejudicados, seja pela impossibilidade fática de preenchimento da FCI, seja pela ilicitude da divulgação de seu conteúdo a terceiros, deve recorrer às vias judiciais.
Gabriel Prata*
É Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. É especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, (IBET). É professor do IBET em Ribeirão Preto/SP, professor convidado do Curso de Especialização em Direito do Estado da Universidade Estadual de Londrina – UEL e professor de curso preparatório para o Exame da Ordem em Ribeirão Preto.
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