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Fome chinesa muda mercado global de arroz
Carolyn Cui - Valor Economico
A China comprou 2,6 milhões de toneladas de arroz no ano passado para suprir a forte demanda dos consumidores. Apareceu um grande e inesperado comprador no mercado mundial de arroz: a China. Por décadas, a produção chinesa cada vez maior permitiu que o país vendesse bem mais o cereal do que comprava. Mas o maior consumidor do grão no mundo virou agora um grande importador.
Em 2012, o país comprou um recorde de 2,6 milhões de toneladas de arroz, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Foi uma aceleração acentuada de uma tendência que começou em 2011, quando a China comprou 575 mil toneladas. O país havia sido um importador líquido de arroz em apenas quatro dos últimos 50 anos.
A mudança gerou confusão e debates no setor, já que os analistas e operadores de commodities estão tentando determinar a razão desse surto de demanda e o que ele pode significar para os preços e a economia global.
Analistas dizem acreditar que essa onda de importação está sendo causada pelo forte aumento na demanda dos consumidores chineses. Eles dizem que, mesmo que a China tenha elevado a produção por nove anos seguidos, não foi suficiente para alimentar sua população. Se isso for verdade, as compras podem ser o começo de uma mudança grande e duradoura no mercado mundial de arroz. Os analistas comentam que tal mudança poderia provocar o temor de que talvez não haja arroz suficiente no mundo, o que manteria os preços elevados.
"Se esse ritmo continuar neste ano, o problema é se o resto do mundo será capaz de suprir a demanda extra por arroz na China", disse Cheng Fang, economista-sênior da agência da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO).
Outros sugerem uma razão mais simples. Eles dizem que os preços do arroz estabelecidos pelo governo chinês são muito maiores do que os equivalentes no mercado mundial. Isso está criando um comércio lucrativo para compradores chineses que trazem arroz de países como Vietnã, Paquistão e Índia para vendê-lo mais caro no mercado interno.
O comércio se tornou muito lucrativo nos últimos meses. Em meados de dezembro, o custo médio para importar arroz vietnamita era cerca de US$ 410 por tonelada. Um cereal parecido poderia ser vendido na China por perto de US$ 635 a tonelada, disseram operadores.
"Você tem dois mercados separados, com produtores vendendo para o governo, mas os consumidores comprando no exterior", disse Thomas Pugh, economista da empresa londrina de pesquisas Capital Economics. Como resultado, boa parte do arroz comprado pelo governo está sendo estocado, em vez de ser processado e consumido, disse ele. Quando a diferença de preço diminuir, as importações baixarão para os níveis de antes.
Seja qual for o argumento correto, haverá consequências para os preços do arroz. Se a demanda for resultado da alta no consumo, a mudança poderia continuar empurrando os preços para cima nos próximos anos ou décadas, disseram analistas. Se as compras forem uma reação às políticas de preço do governo, os preços mundiais poderiam ficar vulneráveis caso essas políticas sejam revertidas.
Por enquanto, os preços são na maioria dos casos determinados pelos governos e grandes comerciantes. Nos EUA, os contratos futuros do arroz oscilaram num intervalo pequeno no ano passado, em grande parte porque a China não compra arroz dos EUA. Alguns produtores americanos notaram isso e estão pressionando o Departamento de Agricultura e as autoridades chinesas a permitir que o arroz americano seja exportado para a China.
A direção dos preços é importante porque o arroz é o principal alimento de mais da metade da população mundial, o que também faz do seu preço o foco da atenção dos economistas.
Aumentos no preço do cereal também tendem a elevar o de outros grãos como o trigo e o milho.
Em 2008, a alta nos preços do arroz causou aumentos em outros grãos importantes, o que por sua vez levou a uma crise de alimentos global e provocou agitação política e protestos em muitos países.
A maioria dos países consumidores de arroz também são grandes produtores, deixando para o comércio internacional apenas uma pequena fração da produção total. Em 2012, apenas 37,3 milhões de toneladas mudaram de mãos, representando 7,7% do suprimento mundial, segundo a FAO. A China consome em torno de 140 milhões de toneladas por ano, e assim qualquer mudança no seu comércio teria um impacto imenso.
Alguns analistas da FAO tentam ter uma ideia melhor dos estoques de arroz da China. Eles dizem que o aumento das importações e os altos preços domésticos indicam que os estoques podem não estar tão altos como se pensava.
O aumento das importações levou a FAO a questionar suas próprias estimativas dos estoques chineses de arroz. O órgão projeta hoje que a China teria 93,7 milhões de toneladas de arroz em estoque no fim de setembro próximo. Isso poderia ser suficiente para alimentar sua população por 8,5 meses: o maior período já registrado.
"Acreditamos que a estimativa provavelmente esteja muito alta", disse Fang, acrescentando que a FAO está conversando com o governo chinês e vai revisar seus dados após pesquisas de campo e análises. Não há dados oficiais para os estoques de grãos da China, já que grande parte é mantida por agricultores e difícil de contar.
Os dados do Departamento de Agricultura dos EUA também indicam que as importações estão sendo parcialmente causadas pelo aumento da demanda. O órgão estima que esta vai exceder a produção em 1 milhão de toneladas em 2013, resultando em mais um ano de grandes exportações em 2014. Até o fim da safra de julho a junho, o departamento calcula que os estoques da China chegarão a 45,85 milhões de toneladas, ou seja, o equivalente a menos de quatro meses de suprimento.