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Setor elétrico não vê ruptura com eventual saída de Dilma, mas espera ajustes e privatizações

Luciano Costa/Reuters

A aprovação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados no domingo cria no setor elétrico expectativas sobre o que seria um eventual governo liderado pelo hoje vice-presidente Michel Temer.

Embora não se espere uma grande reformulação da política para o segmento, o mercado aposta em ajustes na regulamentação e em privatizações.

O processo de impeachment agora vai ao Senado, onde uma ratificação da decisão dos deputados levaria ao afastamento de Dilma por até 180 dias, período em que Temer seria seu substituto interino.

Para analistas e especialistas da área de energia, o fim do impasse sobre o futuro da presidente seria muito positivo, uma vez que há um clima de apreensão entre os investidores desde dezembro, quando foram dados os primeiros passos no processo de impedimento.

"Do jeito que está tudo parado --nada vai para a frente, e muita coisa vai para trás--, qualquer mudança vai trazer uma melhora para o cenário", afirmou a diretora da consultoria Thymos Energia, Thais Prandini.

O presidente do Fórum de Associações do Setor Elétrico (Fase), Mario Menel, que representa investidores em energia junto ao governo, tem opinião semelhante.

"Essa insegurança não é boa para ninguém, tem que passar essa fase o mais rapidamente possível para que tenhamos mínimas condições de ter um ambiente de negócios... hoje o ambiente está muito ruim, tanto que você tem um excesso de ativos à venda no setor elétrico", afirmou.

Não há, contudo, perspectivas de grandes rupturas em um novo governo. A aposta é principalmente na retomada de debates sobre ajustes na regulação, que pouco avançaram nos últimos anos, após uma década do setor sob forte influência de Dilma --primeiro como ministra de Minas e Energia do governo Lula e depois como chefe da Casa Civil e presidente.

O analista de energia da Haitong Securities, Sergio Tamashiro, explicou que as expectativas são contidas porque o setor é fortemente regulado e os diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda têm longos períodos no cargo.

"Nos últimos 20 anos a regulação vem sofrendo constante desenvolvimento... duvido que isso vá parar, sempre vai ter aspectos a ser melhorados, mas não é uma ruptura, é uma constante negociação", disse Tamashiro.

O diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, indicação pessoal de Dilma, fica até 2018 na agência, assim como outros três diretores, enquanto apenas um tem mandato a expirar em 2017.

Já o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, dificilmente seguirá no cargo. Apesar de ser do PMDB, partido de Temer, ele defendeu Dilma na semana passada e qualificou o impeachment como processo movido "por razões políticas".

A estatal Eletrobras, historicamente controlada por nomes ligados ao PMDB, também deve ter mudanças --o atual presidente, José da Costa Neto, tem perfil técnico e foi nomeado por Dilma em 2011 em substituição a José Muniz Lopes, ligado ao PMDB.

NOVO VIÉS

O governo do PT promoveu uma reforma geral da regulamentação para energia elétrica, em 2004, que agradou investidores e retomou investimentos no setor após o racionamento pelo qual o país passou em 2001.

Em 2012, no entanto, a presidente Dilma liderou o lançamento de um pacote de medidas para reduzir as tarifas de energia em 20 por cento, por meio da Medida Provisória 579, que previa a renovação antecipada de contratos de geração e transmissão em troca de uma remuneração menor para os concessionários.

No final, apenas a Eletrobras aceitou totalmente a proposta, e acumula prejuízos seguidos que somam desde então 25,8 bilhões de reais.

Como parte das elétricas não aderiu às medidas, o governo precisou injetar bilhões de reais do Tesouro Nacional para manter a redução tarifária prometida, em um processo que foi interrompido no ano passado e levou a uma alta de mais de 50 por cento no custo da energia em 2015.

No final, a tentativa de incentivar a indústria e o consumo com energia barata foi vista como uma intervenção mal planejada e deixou fortemente insatisfeitos os investidores do setor.

"A MP 579 foi a mancha dos últimos 20 anos, o grande erro que o governo fez para tentar reduzir as tarifas por canetada", disse Tamashiro, da Haitong.

Em contrapartida, o documento do PMDB "Ponte para o Futuro", que esboça propostas que Temer poderia colocar em prática se assumir o Planalto, aponta para uma política de infraestrutura "sem intervenções que distorçam os incentivos de mercado, inclusive respeitando o realismo tarifário".

Para Claudio Sales, do instituto Acende Brasil, isso aponta que haveria uma mudança de viés no governo que seria bem recebida pelo mercado, mesmo sem uma grande reforma das regras.

"Hoje você tem uma percepção de risco muito elevada no setor, agravada por essa situação política e econômica...", disse.

Em outro trecho, o esboço de plano de governo do PMDB fala em uma "política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias", o que gera expectativas unânimes de que privatizações de ativos no setor possam ser aceleradas.

No ano passado, a Eletrobras tentou aprovar junto a seus acionistas a venda de todas suas sete deficitárias distribuidoras de energia, mas a União aprovou a venda de apenas uma concessionária, a goiana Celg-D, e adiou uma decisão sobre as demais.

Para Tamashiro, "com certeza" haveria uma aceleração na venda dessas empresas, que sempre enfrentou forte resistência por parte de sindicatos ligados ao PT.
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