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Corrida acelerada por terras agrícolas
Valor
A corrida por terras agrícolas levou investidores estrangeiros a adquirir pelo menos 83 milhões de hectares em países em desenvolvimento de 2000 a 2010, de acordo com análise do Deutsche Bank baseada em dados do Land Matrix, uma base pública de dados sobre negócios do gênero.
O total calculado equivale a 1,7% da área agricultável global. Para efeito de comparação, o plantio de grãos no Brasil, um dos principais exportadores mundiais do setor, tende a ocupar pouco mais de 50 milhões de hectares na safra 2012/13, que está sendo semeada.
O próprio Brasil é um dos alvos da cobiça estrangeira, liderada especialmente por países com problemas de oferta de água como China, Arábia Saudita, Kuait, Qatar e Bahrein, ou por investidores privados dos EUA. Segundo o estudo, as compras de terras brasileiras, que passaram a ser limitadas nos últimos anos, somaram 2,6 milhões de hectares na década passada.
Mas, ao mesmo tempo, investidores do Brasil engrossam os aportes. Estão entre os que adquiriram terras na África, com destaque para o Sudão, visando ao plantio de soja, algodão e outras commodities agrícolas, mas a preferência continua ser apostar as fichas em países vizinhos, como Paraguai e Bolívia.
Os investimentos globais são guiados por tendências de longo prazo, como o crescente consumo de alimentos e biocombustíveis num cenário de disponibilidade limitada de terras aráveis, água e energia. De acordo com o banco alemão, o objetivo desses investidores é justamente assegurar acesso a alimentos e água, além de obter retorno financeiro como um ativo alternativo. Boa parte da produção nessas terras é para exportação.
Dois terços dos países-alvo das transações terão um aumento no consumo de água estimado em mais de 12% como resultado dessas grandes aquisições de terras.
Diante da falta de transparência nesse tipo de investimento, o banco considera "confiável" pelo menos metade das transações relatadas - o que significa a compra por estrangeiros de 32,7 milhões de hectares, o equivalente aos territórios de Alemanha, Bélgica e Holanda juntos, ou 0,7% das terras agrícolas do planeta.
O estudo mostra que, se entre os investidores privados destacam-se os americanos, entre os estatais são os do Golfo Pérsico que despontam. Mais recentemente é que se fortaleceram os aportes no exterior de investidores de países como China (boa parte estatais), Brasil, África do Sul, China e Índia, entre outros emergentes da Ásia. O amplo envolvimento de emergentes é também considerado sintomático das novas tendências nas relações Sul-Sul.
Para o Deutsche Bank, investimentos privados na agricultura em outros países fazem sentido, já que até 2050 serão necessários aportes de US$ 83 bilhões ao ano, em média, para incrementar a produção, 50% maior que montante atual.
Na África, as aquisições por estrangeiros entre 2000 e 2010 representaram 4,8% das terras agrícolas do continente, ou uma área equivalente à do Quênia. Na América Latina, os estrangeiros compraram, segundo o estudo, 1,2% das terras agrícolas, enquanto na Ásia o percentual ficou em 1,1%.
A maioria dos alvos dessas transações são países exportadores líquidos de alimentos, com frágil governança no setor de terras e outros problemas, como a corrupção.
O banco aponta "riscos significativos" associados a investimentos em terras agrícolas. O principal desafio é o respeito aos direitos econômicos e sociais das populações locais, além da preservação da sustentabilidade ambiental.
Mas, para o Deutsche, há evidências de que modelos de cooperação entre investidores e pequenos agricultores também podem funcionar - um exemplo é a garantia da compra da produção. Conforme a instituição, parcerias como essas podem beneficiar a produtividade e reduzir a pobreza sem necessariamente envolver transferência de terra.
Para os "financistas", diz o banco, investimentos em terras agrícolas são atraentes por várias motivos. A começar pela boa perspectiva de lucros no longo prazo, diante do previsto aumento da demanda por alimentos, que deve elevar os preços. O retorno varia dependendo da região e do tipo da terra, e pode chegar a 20% na África e a até 30% no Brasil.
Em consequência da escassez de terras - e apesar dos limites às aquisições por estrangeiros em países como o Brasil -, os preços estão em ascensão (ver Contexto abaixo). Negócios como sequestro de carbono e outros serviços ambientais (diversidade, disponibilidade e qualidade de água, etc.) podem elevar ainda mais os valores.
CONTEXTO
A compra de terras em países em desenvolvimento na África e na América Latina tem como principal razão a tentativa de grandes mercados consumidores garantirem matéria-prima agrícola para o seu consumo doméstico. Mas os preços de terras nesses continentes é o que possibilita as grandes aquisições.
Nos Estados Unidos, onde não há restrições para aquisições de estrangeiros, os preços por hectare arável oscilam entre US$ 10 mil e US$ 20 mil, dependendo da região agrícola. O mesmo acontece na Europa. A esse patamar de preços, os retornos do investimento em terras para agricultura diminuem muito, levando o foco dos investidores inevitavelmente para países mais baratos, explicou Jonathan Lassers, presidente do Ariel Investment Management, do Uruguai, em um recente seminário sobre o assunto realizado em Cingapura.
De acordo com Lassers, o arrendamento de terras de qualidade na Ucrânia, por exemplo, chega a sair por US$ 100 por hectare. Na Polônia e na Romênia, US$ 200. No Brasil, existem restrições à compra de terras por estrangeiros - a Advocacia Geral da União determina que eles devem ter participação inferior a 50% em propriedades rurais. O limite tira liquidez do mercado, mas os preços estão em alta. Segundo José Vicente Ferraz, diretor técnico da Informe Economics-FNP, o hectare chega a R$ 16,3 mil em Santa Catarina, R$ 3 mil na Bahia e R$ 4 mil em Mato Grosso.