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Reforma nas relações trabalhistas

Fernanda Ramos Aquino Pere

A palavra “crise” na reconhecida e milenar sabedoria chinesa pode ser caracterizada pela junção de dois símbolos que tem os significados de “perigo” e “oportunidade”.

Pois bem, a mais recente pesquisa realizada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) “Retratos da Sociedade Brasileira – Problemas e Prioridades”, o desemprego foi apontado por 43% dos entrevistados como o principal problema do país, enquanto que a saúde e a corrupção foram apontadas por 32% das pessoas ouvidas.

E é justamente nesse cenário de grandes dificuldades, que todos devemos procurar contribuir para que o país saia dessa situação fortalecido, já que nos momentos de maior abundância, não raramente, a euforia acaba por mascarar a necessidade de realização de ajustes necessários.

Não tenho dúvida que o momento é oportuno para que a sociedade brasileira como um todo promova um amplo debate sobre as mudanças que devem ocorrer nas relações trabalhistas, mesmo porque já fora encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº. 6787/2016, por meio do qual se pretende estabelecer tal discussão.

Certamente as discussões sobre um tema tão palpitante como a reforma trabalhista, porá em choque àqueles que tem a visão de que deve prevalecer a legislação protetiva do trabalhador, ancorada na CLT atual, e àqueles que defendem a necessidade de modernização e atualização das relações entre o capital e o trabalho.

O ideal na discussão de um tema tão relevante para o país é que as retóricas ideológicas não sobrepujam o debate, pois chega um momento, como esse que estamos vivenciando hoje, que os fatos (desemprego) se sobrepõem à retórica.

Como exemplo disso, pode ser citado o fato da ex-Presidente Dilma, que é filiada a um partido que vê como tabu o tema “reforma trabalhista”, editou a Medida Provisória nº. 680/2015, convertida na Lei Federal nº. 13.189/2015, que simplesmente, de forma extraordinária, flexibilizou as relações trabalhistas para permitir acordos individuais de trabalho sobre a jornada e permitir acordos que promoveram a redução de salários, tudo com o fito atenuar o desemprego que ali já era crescente.   

Ora, se o Governo Federal, mesmo quando ainda estava sob a batuta do Partido dos Trabalhadores, viu que uma das formas de diminuir o crescente desemprego é diminuir o custo das empresas nessa seara, é óbvio que temos de aproveitar o momento para aprovarmos uma nova legislação que ao mesmo tempo não retire direitos fundamentais dos trabalhadores, e, que permita que as partes (empresa e trabalhador) possam de forma conjunta decidir o que é melhor para eles em relação a diversos temas que não envolvem os direitos fundamentais dos trabalhadores.

Portanto, direitos como 13º salário, adicional noturno, adicional de periculosidade e insalubridade, horas extras, FGTS e Previdência por serem direitos fundamentais de todos, inclusive, de índole constitucional, não podem sofrer e certamente não sofrerão qualquer mitigação.

Por outro lado, há várias questões sim que podem e devem negociadas e decididas pelas partes. 

Querem um exemplo!

Muitas empresas estão instaladas em locais que não possuem transporte público, e por isso, acabam tendo que fornecer o transporte para o trabalhador com a compra ou mesmo locação de vans e ônibus para esse transporte.

A justiça do trabalho, com base no dispositivo da CLT que trata do assunto, tem entendido de que esse tempo de trajeto/transporte deve ser computada à jornada de trabalho,  mesmo estando o empregado sentado e não produzindo qualquer esforço.

Em casos assim, deveria haver uma flexibilização da CLT, para que as empresas e os trabalhadores, representados por seus sindicatos, pudessem estabelecer alguma vantagem compensatória para esses casos, de forma que não onerasse demasiadamente os custos das empresas.

Há outras questões que poderiam ser objeto de acordo entre as partes (empresa e trabalhador), tais como, tempo do intervalo dentro da jornada, criação de banco de horas para contabilizar as horas extras trabalhadas, execução do trabalho fora da sede da empresa e/ou trabalho remoto, enfim, há uma série de itens que poderiam ser de livre negociação sem que isso significasse redução dos direitos trabalhistas, ao mesmo tempo que tem o condão de diminuir os custos das empresas.

Essa flexibilização, não dos direitos fundamentais do trabalhador, mas da gestão e autorregulamentação de temas específicos de cada categoria, redundaria, não tenho dúvida, numa das medidas de maior impacto para ajudar o Brasil sair da crise atual, uma vez que proporcionaria às empresas uma segurança jurídica para que pudessem promover uma diminuição nos custos trabalhistas, sem que isso significasse redução dos direitos do trabalhador.

Portanto, é o momento de nos desvencilharmos da visão excessivamente paternalista que ainda vigora na seara do direito trabalhista, para que possamos encontrar um modelo sustentável e que promova o bem estar de todos, para que em momentos de crise o desemprego não seja mais o nosso maior problema.    


*Fernanda Ramos Aquino Peres é advogada trabalhista 
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