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De volta ao passado

Carlos Fávaro

 Os trabalhos de plantio da próxima safra de soja em Mato Grosso estão a todo vapor. A tão esperada chuva que os produtores aguardavam para dar início à semeadura chegou e, em algumas regiões as máquinas tomam conta do campo. O trabalho prévio de incorporação de novas áreas foi árduo e o resultado é que teremos um novo recorde de área plantada para Mato Grosso, com 7,9 milhões de hectares semeados com a oleaginosa, quase 1 milhão de hectares a mais do que a safra passada. E a expectativa é que o estado produza 24 milhões de toneladas do grão.

Pude constatar in loco estas projeções, pois recentemente percorri a região do Vale do Araguaia, que é onde ocorrerá uma grande expansão do cultivo de soja nesta safra, majoritariamente sobre pastagens degradadas ou de baixa rentabilidade.

O produtor mato-grossense prontamente vem atendendo ao chamado de garantir o abastecimento de alimentos para o mundo. A quebra da safra americana, afetada por fatores climáticos, colocou o Brasil na pole position da produção de soja no mundo, que voltou os olhos para nós, depositando ainda mais responsabilidades no suprimento mundial de alimentos em cima dos produtores brasileiros.

Assim, a princípio o cenário tem se mostrado bastante otimista. Porém precisamos ter cautela ao analisar alguns fatores. Em 2004, vivemos exatamente o mesmo enredo deste ano, com preços elevados no mercado internacional, expansão da área produtiva, aumento no custo do arrendamento de terras, altos investimentos em máquinas e a ameaça de uma grande incidência de ferrugem asiática nas lavouras.

A abrupta queda nos preços internacionais aliada a problemas de baixa produtividade, em virtude do alto índice de ferrugem, resultou em uma das piores crises vivenciadas na agricultura de Mato Grosso e com consequências gravíssimas na economia do estado e dos municípios.

De lá pra cá, pouca coisa mudou em muitas áreas e deficiências estruturais continuam nos prejudicando enormemente. Na logística, por exemplo, nossa produção percorre os mesmos caminhos de 30 anos atrás. Os investimentos em infraestrutura, tanto na parte de transporte quanto armazenamento, não acompanharam o mesmo ritmo de crescimento da nossa agricultura. As hidrovias não saem do papel e os trilhos avançaram somente 120 km nos últimos 12 anos em Mato Grosso. Isto tem refletido em custos de produção cada vez mais elevados, com itens, como, por exemplo, o frete, abocanhando uma parcela significativa da rentabilidade do produtor.

Junto com a deficiência em infraestrutura e logística, temos um aumento de área ocorrendo em regiões de baixa produtividade e que em sua maioria possuem terras arenosas, com menos fertilidade no solo. Isto exige um investimento maior tanto em correção de solo, com altas aplicações de calcário, quanto em limpeza de área. E como toda região em crescimento, a produtividade será menor e o acesso à logística para escoamento é ainda pior que no restante do estado. Faltam estradas para fazer chegar os insumos básicos e para transportar a produção.

O que temos de diferente neste ano em relação a 2004 é que o produtor amadureceu. E os agricultores demonstram ter dominado o mercado de commodities, sabendo ‘ler’ nas entrelinhas as projeções e tendências. Prova disto é que 60% da soja que estamos iniciando o plantio já foi comercializada, aproveitando os bons preços e garantindo, desta forma, a cobertura dos custos com insumos. Além disto, a gestão das propriedades está cada vez mais profissionalizada e tecnificada. O produtor também já sabe dominar e controlar a ferrugem, só não pode descuidar, pois esta doença ainda é uma grande ameaça às nossas lavouras, especialmente nesta nova safra.

Outro fator que tem se destacado em relação àquele período é o alto preço da terra. Um exemplo são os valores cobrados nos arrendamentos. Nos últimos anos, os arrendamentos que antes eram negociados em seis sacas por hectare passaram a custar doze, um aumento de 50%. Atualmente, 26% da nossa produção de soja vêm de arrendamentos, e esta proporção tende a crescer. Isto exige que o produtor que investe em áreas arrendadas tenha uma cautela ainda maior, pois está investindo pesadas somas em área de terceiros, devendo prestar muita atenção ao contrato e negociar bem o prazo de amortização do investimento.

A insegurança jurídica também está maior agora. Diariamente proliferam leis e decretos, que impactam diretamente na produção. A todo momento somos surpreendidos por novos decretos da Secretaria de Fazenda de Mato Grosso, com mudanças no sistema tributário, gerando enorme confusão e aumento de uma carga que já é demasiadamente alta em nosso país. A lentidão dor órgãos ambientais também impacta no acesso ao crédito oficial, pois sem o CAR – Cadastro Ambiental Rural, que devido ao desaparelhamento e falta de pessoal na Secretaria Estadual de Meio Ambiente está cada vez mais burocrático e lento, os produtores não conseguem financiamentos nos bancos oficiais, ficando dependentes de juros altos cobrados pelas empresas e revendedores.

Assim, comparando 2004 com 2012, temos que reconhecer que apesar do produtor ter amadurecido de lá pra cá, ter investido em tecnologia e na melhoria da gestão, várias questões, como, por exemplo, a enorme carência de infraestrutura e logística, problemas de gestão em importantes secretarias do estado e insegurança jurídica não foram solucionadas. Tudo isto somado a uma enorme volatilidade no mercado internacional, a maior de todos os tempos, nos faz chegar à conclusão que neste campo, nem tudo são flores. Como alguns analistas de commodities costumam dizer: sempre que o preço sobe de escada, quando desce, volta de elevador. Numa demonstração clara de que estes preços poderão não se manter nestes patamares elevados por muito tempo.

O momento é de aproveitar as vantagens trazidas pelos bons preços, mas recomendados cautela, pois eventuais solavancos no mercado serão sentidos com maior intensidade nesta safra e na próxima, onde temos tantos problemas para resolver ainda. E não podemos dar um ‘replay’ no filme de 2004.
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