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Rui Prado
Para resolver a "carência" de recursos do Governo do Estado de Mato Grosso foi criado, em 2000, o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), vinculado à Secretaria de Estado de Infraestrutura (Sinfra). Junto com ele, a sociedade ficou com a esperança de que os problemas relacionados à infraestrutura e habitação em Mato Grosso seriam resolvidos. Na prática, não é o que presenciamos há anos.
O objetivo da lei que instituiu o fundo é, ou melhor, era bem simples: financiar o planejamento, execução, acompanhamento e avaliação de obras e serviços de transporte e habitação em Mato Grosso. Ninguém gosta de pagar mais impostos, mas os produtores rurais aceitaram sua cota de sacrifício porque acreditaram que a infraestrutura e a logística do Estado melhorariam. Mais um ledo engano proporcionado pela gestão pública.
Da sua criação para cá, o fundo vem sendo gerido com diversas distorções, entre elas o excesso de modificações na sua base legal. Conforme informações da própria Secretaria de Fazenda (Sefaz-MT), o Fethab já passou por 31 modificações, incluindo duas leis complementares que, na sua maioria, tinham a finalidade de “remediar” as dificuldades financeiras do governo.
Assim, boa parte do recurso foi desviada para outros fins. Entre eles estavam o custeio das obras da Copa do Mundo em Cuiabá e o pagamento da folha salarial de servidores públicos.
Cansados de assistir à mesma história, as entidades Famato e Aprosoja entraram, em abril de 2014, com uma ação ordinária com pedido de liminar contra o Estado de Mato Grosso. Na ação fizemos três pedidos: o governo deve deixar de desviar os recursos do Fethab, seja para a conta do tesouro estadual ou para qualquer outro fundo ou secretaria distinta da Sinfra; implantar o Conselho Diretor do Fethab, com assento de representantes da sociedade civil para definir onde os recursos podem ser aplicados; e pedimos a recomposição do fundo para que o Estado devolva o montante que foi desviado conforme valor a ser apurado em liquidação de sentença, em parcelas anuais, destacando, a critério de quem julgar a ação, uma percentagem do orçamento anual que não comprometa a administração pública.
Destas, talvez a reivindicação mais importante seja a implantação do Conselho Diretor, porque é por meio dele que teremos condições de acompanhar, fiscalizar e assessorar a aplicação dos recursos. Queremos transparência do governo. Formado por várias entidades representativas, entre elas a Famato, este conselho está desativado há muito tempo. Se o grupo se reuniu pelo menos três vezes nesses 15 anos, foi muito.
Em dezembro de 2014, mesmo eu estando licenciado da presidência da Famato, a Federação e a Aprosoja, no intuito de garantir mais uma vez a aplicação dos recursos do Fethab, entraram na justiça com uma medida cautelar para suspender os efeitos da lei 10.051/2014 que reparte os recursos do fundo com os municípios. Este assunto ainda gera polêmica, mas, na minha avaliação, é interessante para o governo essa divisão, pois as prefeituras têm condições de otimizar os recursos e executar as obras mais emergenciais.
Em resumo, o que importa é a aplicação prática do Fethab, independentemente de sua gestão ser estadual ou municipal. Estamos finalizando a colheita da soja e o plantio de milho em Mato Grosso. São nessas horas, todos os anos, que assistimos ao mesmo filme: filas de caminhões nas estradas, falta de sinalização nas rodovias, buracos, pontes quebradas e a inércia do governo em resolver esses problemas.
A safra não espera. As pessoas precisam trafegar com segurança e aqueles que dependem das estradas necessitam ter o mínimo de condições para trabalhar. Os recursos existem e estão nos cofres do governo. Até quando vamos continuar assistindo ao mesmo filme?
*Rui Prado é produtor rural e presidente do Sistema Famato/Senar (ruiprado@famato.org.br).