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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Empresariado atribui a desacerto da cúpula o viés punitivo e razões para o investimento não fluir

Embora o governo não tenha que agradar a todos, é estranho que os setores prioritários, de onde deve vir o aumento dos investimentos, estejam inquietos.


O programa de redução de R$ 5 bilhões a R$ 15 bilhões de custos ao ano anunciado pela Petrobras, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, a divulgação de outro modelo de concessão dos aeroportos e coisas assim são partes de um mesmo enredo, em que inabilidades administrativas se misturam às dificuldades do governo para articular a política econômica e as metas de investimentos.

De dirigentes de empresas que operam sob o regime de concessão aos industriais instados a aumentar a capacidade instalada e modernizar as suas linhas de produção - enfim, o naco do Produto Interno Bruto (PIB) sem o qual a economia não prospera -, o sentimento é confuso.

De um lado, reconhecem que, no atacado, o governo tem feito o que aprovam: queda da Selic, depreciação cambial, desonerações visando reduzir o custo da produção, o ativismo da banca pública na oferta de crédito com prazos e juros competitivos, as novas concessões de praticamente toda a estrutura de logística sob controle estatal.
De outro, estranham a lerdeza de decisões de puro bom senso - como a recuperação do setor alcooleiro, que passa pela melhoria do caixa da Petrobras -, o bate-cabeça da burocracia para montar a modelagem de concessões, sobretudo de aeroportos, a colisão entre as agências regulatórias e as políticas setoriais, a interpretação punitiva da Receita ao desdobramento da internacionalização das empresas – um dos pilares da política externa do governo Lula. E assim vai.

Em especial, a reclamação mais comum é sobre a falta de diálogo em qualquer nível com o governo. Na questão do etanol, um caso raro de sucesso (juntamente com o carro flex) empresarial, de tecnologia de ponta desenvolvida no país e de aceitação popular, choca o virtual colapso da atividade e a ausência de iniciativas para recuperá-la.
A crise global apanhou o setor em meio a um ciclo de investimentos pesados, boa parte cancelada depois de 2008, com repercussão também sobre a lavoura canavieira. Ao mesmo tempo, a Petrobras confirmou a ocorrência de petróleo no pré-sal, absorvendo a ambição de riqueza e autonomia energética do governo Lula, antes voltada ao etanol.

O governo foi volúvel. Viu no pré-sal mais do que a Petrobras e o caixa público podem entregar, esquecendo-se do etanol. E não viu a conciliação disso tudo com a política monetária do Banco Central.

Copom omite a Petrobras

É assim que as peças de jogos distintos se encaixam. Tome-se a ata em que o BC explica as razões não consensuais de sua diretoria para reduzir de 7,50% para 7,25% (por cinco votos a três) a taxa Selic, devendo permanecer nesse patamar, diz o documento, por um “período de tempo suficientemente prolongado”.
Nela, também prevê um aumento menor dos chamados “preços administrados” em 2013, já considerando o alívio que virá da redução das tarifas de energia elétrica.

Em consequência, o BC baixou de 4,5% para 2,4% a alta projetada da média de preços decididos pelo governo. Só que a previsão do BC não contempla o reajuste da gasolina e do diesel, como pede a Petrobras para recuperar o caixa e poder bancar seu plano de investimentos.

Gasolina abafa o etanol

Sem a correção da gasolina, a produção de álcool hidratado, usado nos carros flex, se torna gravosa, inclusive porque sua eficiência em relação ao motor convencional é menor, equivalendo a 30%. Também obriga a Petrobras a importar gasolina (pela falta de capacidade de refino), comprada a um preço maior do que ela é vendida nos postos.

Menos mal que tal situação tenha levado a Petrobras sob o comando de Graça Foster, funcionária da maior confiança da presidente Dilma Rousseff, a detectar custos operacionais ociosos para cortá-los. A suposição é que isso fosse rotineiro.

Mas o caso também expõe algo “feio”, segundo um empresário do setor, porque, “francamente”, diz, “não é assim que se combate inflação – abrindo rombos, atrasando metas de investimentos e expondo uma empresa desse porte, com ações em bolsa, à tutela do governo. A Petrobras foi a única petroleira no mundo a perder valor de mercado no último ano e meio”.

Multas que mais atrasam

Na telefonia, as telcos contestam na Justiça multas aplicadas pela Anatel, coisa de R$ 12 bilhões, dinheiro provisionado em balanço e atrasando a universalização de serviços e a implantação do padrão 4G de celular – tecnologia ainda incipiente no mundo, mas imposta a todo o país antes que a versão 3G anterior estivesse amortizada.

Queixam-se, também, de a Anatel ter tolerado planos abusivos de um operador mais agressivo, implicando perdas de qualidade do sistema, pois seguido pelo mercado. O governo não tem que agradar a todos. Estranho é que os setores prioritários, de onde deve vir o aumento de investimentos, estejam inquietos. Sinal de desarranjo na cúpula.
Falta noção de conjunto

A impressão entre empresários próximos ao governo ou à espera de decisões envolvendo projetos de bilhões de reais é que o entorno de Dilma, possivelmente pelo seu estilo centralizador, perdeu a noção de conjunto entre a política econômica, o investimento e a máquina pública.

Se como ministra ela dava murro na mesa, como presidente ou assume riscos, como o trade off entre a inflação e as metas de produção da Petrobras, ou não tem a quem transferir a irritação.

Não são opções fáceis. Quanto maior a cobrança sobre as empresas, mais se torna popular. E maior a desconfiança dos empresários, até por se tratar de problemas com responsabilidade partilhada. Graças ao trânsito livre no empresariado, o ex-presidente Lula conhece as queixas, mas não se ofereceu a mediar soluções.

A expectativa é que Dilma aproveite o cogitado ajuste ministerial para qualificar melhor a equipe, desimpedindo os obstáculos à travessia até 2014.

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