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Quinta-feira, 28 de março de 2024

Notícias | Ecologia

Agroecologia e o uso dos agrotóxicos em Mato Grosso

A semana do meio ambiente trouxe uma profunda reflexão sobre as implicações éticas e socioambientais trazidas pelo processo de mundialização, chamado comumente de globalização. Processo que tem gerado uma crise planetária sem precedentes ao impor uma cultura de produção e consumo de bens que exauri assustadoramente os recursos naturais do planeta, provocando aquecimento global, mudanças climáticas,poluição do meio ambiente,destruição acelerada da biodiversidade, expulsão de populações tradicionais de suas terras e de seu modo original de vida. Um paradigma global e agressivo de progresso que afeta as relações humanas e a saúde da população como um todo.

Em Mato Grosso os reflexos desta mundialização podem ser percebidos de maneira destacada nos impactos da cadeia produtiva do agronegócio sobre os biomas naturais do cerrado e da Amazônia e, principalmente, sobre saúde da população. Uma cadeia produtiva baseada num modelo de agricultura chamado deagroquímico. UmModelo que coloca o Brasil e o estado de Mato Grosso,como grandes produtores de alimento do mundo, mas, também, como osmaiores consumidoresmundiais de agrotóxico da atualidade.

Para ter uma ideia do volume que vem sendo empregado no País, sóna safra agrícola de 2012 foram pulverizados aproximadamente 100 bilhões de litros de agrotóxicos nas lavouras brasileiras. Em Mato Grosso, no mesmo ano,o emprego de agrotóxicos chegou a 140 milhões de litros (produtos formulados) com destaque para herbicidas, inseticidas e fungicidas, os dados são do IBGE, INDEA e do SINDAG - Sindicato Nacional das Empresas de Avião Agrícola.

Um dos maiores estudiosos dos impactos que o uso dos agrotóxicos vem causando ao meio ambiente e a saúde no estado é o médico e pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso, Wanderlei Pignati, responsável por umasérie de estudos que avaliaramas consequências do uso dos agrotóxicos em cidades do interior do Mato Grosso. Trabalhando atualmente num projeto que vai avaliar as consequências ambientais e sanitárias do uso de agrotóxicos utilizado por fazendeiros na reserva indígena de Marãiwatsédé,o pesquisador ganhou notoriedade ao divulgar em 2011 os dados de uma pesquisa realizada no município de Lucas do Rio Verde (MT), na pesquisa foi detectado que 100% das amostras de leite materno estavam contaminados com resíduos de agrotóxicos.

Pignati levantou também quenas regiões onde há maior exposição aosagrotóxicos, aincidência de câncer e de má-formação do fetoou do recém-nascido é três vezes maior que em outras cidades onde não há uma exposição direta aos produtos. O pesquisador afirmouainda que 83% dos poços de água potável e 56% das amostras de chuva estavam contaminadas por resíduos.

Outros estudos comprovam as pesquisas que Pignati vem realizando, segundo a médica e pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Márcia Sarpa de Campos Mello, é cientificamente comprovado que uma exposição prolongada aos agrotóxicos pode provocarataques ao sistema nervoso, ao sistema imunológico, má formações, comprometimentoda fertilidade ediversos efeitos cancerígenos, dependendo do tipo de agrotóxico utilizado. Estudos referentes ao assunto foram publicados em 2012 num dossiê daAbrasco – Sociedade Brasileira de Saúde Coletiva, com o título “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde”. SegundoPignati, mesmo com uma série de denúncias sobre a gravidade do problema apresentada nestes estudos, pouca coisa foi feita no tocante ao cumprimento da legislação e de uma fiscalização mais efetiva por parte da ANVISA e de outros órgãos.

Pignati participou no inicio deste mêsda Semana do Alimento Orgânico de Mato Grosso, evento que reuniu na UFMT produtores de vários municípios do Estado. Um dos temas abordados no evento foi a Transição Agroecológica, movimento que propõe uma alternativa sustentávelem substituição à agricultura agroquímica. Entre as ONGS que discutiram a questão se fez presente oInstituto Cidade Amiga, entidade que junto com o Instituto Centro de Vida (ICV) é responsávelpelo projeto “Espaço Vitória: geração de renda e gerenciamento de resíduos orgânicos”, projeto patrocinado pelo Programa Petrobras Socioambientalvoltado para aprodução agroecológica de alimentos na periferia de Cuiabá.Em uma entrevista concedida à Assessoria de Comunicação do Instituto Cidade Amiga,Pignati falou da importância da agroecologia como prática capaz de proporcionar boa produtividade e saúde para a população:

Qual a principal discussão trazida pela Semana do Alimento Orgânico de Mato Grosso?
Pignati -A discussão fundamental é que agente precisa de um alimento mais saudável, estão usando fertilizantes químicos, agrotóxicos proibidos em outros países, os produtos industrializados estão impregnados excessivamente deconservantes,acidulantes, nitritos, corantes, estamos adoecendo os alimentos porque um alimento cheio de aditivos químicos é um alimento doente e consequentemente adoece a nossa saúde. A água que estamos consumindo também está bastante contaminada por esses agrotóxicos e fertilizantes químicos, nosso corpo é feito 70% de água, se água esta doente vamos ficar doentes. Por isso precisamos discutir uma alternativa que proporcione uma transição da agricultura hegemônica dos agrotóxicos para a agroecologia.Uma transição que não vai, é claro, proibir os venenos de uma vez, pois isso tem que ser feito pela sociedade, tem que envolver os governantes, entidades governamentais e não governamentais, será preciso pressão e uma consciênciasocial da população exigindo mais controle e fiscalização. Tudo isso com o proposito de melhorar a saúde dos alimentos, evitando os gastos do Estado com tratamento de câncer e de outras doenças provocas pelo uso desses venenos.

Existe um mito em relação à produção agroquímica praticada no Brasil?
Pignati- Há um mito que só o modelo que eu chamo de agroquímico dependente é capaz de produzir em larga escala, o pessoal fala que hoje é impossível produzir sem agrotóxico e sem fertilizante químico. Isso é um mito porque existe o outro lado, o lado que é possível uma boa produção com o modelo baseado em associações e cooperativas de pequenos produtores, um modelo baseado na agricultura familiar localizada em pequenas propriedades de produção de orgânicos.Segundo dados recentes da ONU a produção familiar, que caminha lado a lado com a preservação e o respeito ao meio ambiente, produz mais de 70% dos alimentos consumidos pela população. É possível produzir em média e grande escala, o Brasil é hoje o maior produtor de açúcar orgânico, de álcool orgânico e café orgânico do mundo, quer dizer temos produção de alimentos orgânicos em grande escala também.

Com tantas terras de qualidade e boas condições climáticas já existe produção de orgânicosemMato Grosso?
Pignati – A produção de orgânicos em larga escala é pouca no estado, eu acredito que 99% da produçãode soja, de arroz e milho é químico dependente, em compensação tem outros estados que estão produzindo e exportando uma grande quantidadedeorgânicos, só que vai principalmente para a Europa que já tomou essa opção pelos orgânicos.Aqui dentro são poucos que conseguem consumir apenasorgânicos, tem que ter um pouquinho mais de dinheiro porque ele custa mais caro.Na verdade não é que ele custa mais caro, é que outro é mais barato porquetemincentivo de impostos. O fertilizante químico, o agrotóxico não pagam imposto, as máquinas agrícolas não pagam imposto, esses produtos são isentos de ICMS.

Para o pequeno produtor orgânico o incentivo é o mesmo?
Pignati – Claro que não, o agronegócio tem 120 deputados para defender seus interesses,é por isso que tem todo esse incentivo queo pequeno não tem. Muitas vezes eles não possuem sequer a propriedade da terra para pedir o financiamento. Este ano aPresidente Dilma esteve em Lucas do Rio Verde fazendo o lançamento desse último financiamento para safra agrícola que vem aí,lançou 158 bilhões para o agronegócio, 20 bilhões para agricultura familiar e somente3 bilhões para o orgânico, por isso você tem todo um incentivo enorme, feito com dinheiro público, para continuar uma produção agricultura que eu chamo de químico dependente, uma produção que adoece os alimentos, que adoece a água, que adoece a vida.
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